quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Grude

primeiro filho dá trabalho, cansa, esgota e, um ano depois, somos um caco de gente. um caco com  vida nova, a vida que damos a eles primeiro, para, depois, refazermos a nossa.
aquela vida vai crescendo, independente, começa a andar, nadar, falar, falar e a nossa vida volta a nós mesmas que, com brilho nos olhos, pondera, decide e quer mais. mais vida!
vem o segundo filho. e o brilho que estava nos olhos passa para a barriga. os olhos ficam opacos e a cabeça pensa, pensa, pensa, vê, revê e trevê todas as dores, os cansaços, as dificuldades, as mudanças. o olhar fica em cacos e as peças da cabeça quebrada não se encaixam. doi. foi assim quando a pequena estava na barriga.
até que ela chegou.
e não é que foi mais fácil? e não é que estávamosmos fortes? e conseguimos sentir melhor a pele que sobrava e fazia até dobrinhas quando passávaamos a mão, os pelinhos miudinhos que a deixavam mais macia e que foram caindo, quase que pudemos ver um por um. os brilhos nos olhos pequeninos dela olhavam pra gente e iluminavam os nossos. a cabeça se refez em nova, melhorada, tudo se reordenou e seguimos com um sorriso maior e mais confiante no rosto.
depois veio o terceiro e trocar fralda? até com o neném de bruços, até de olhos fechados durante a madrugada, quase sem nem acordar. mas cada um é cada qual e traz junto as facilidades e as ausências, traz outras dificuldades, mas foram os sorrisos mais fáceis entre os bebês da casa. e até hoje, três anos depois, tudo vem de-va-ga-ri-nho sendo recriado.
são cacos, brilhos e quebra-cabeças que vamos criando em crianças. são vidas dadas e feitas por nós, que nos retornam a chance de recriarmos as nossas.
mas o principal não é isso. há uma essência que cresce na gente, bem lá dentro, e gruda, sem ter como tirar nunca mais.
quando nasce mais um filho, o que ganhamos é um novo amor.

Para Ju, com carinho.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Diálogos surreais

mimima pode ser formiga. mas também pode ser bonita.
mamoma é amora e mamama é banana. ditos rapidamente, no meio da frase, podemos trocar um pelo outro.
pepepa é manteiga e também cachoeira.

quando o mini-menino diz mimima pepepa, pode estar dizendo bonita cachoeira ou formiga na manteiga.
ou formiga na cachoeira e bonita manteiga.

desse jeito, quando ele usa seu vocabulário de mini-menino-que-não-fala e nós em seguida repetimos a frase com o nosso vocabulário padrão, podemos trocar tudo - nem sempre o contexto ajuda. assim, aos três e meio, ele deve vivenciar diálogos surreais como poucos nesse mundo.


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Do dia em que eu briguei com uma galinha

era uma senhora amarga, dessas que ralou na roça desde os dois anos de idade. 
brava. 
cintura fina, quadril largo, coluna envergada para frente, passos curtos e roupas sempre pretas e marrons, sempre saia e camisa.

mas não era pessoa, era galinha. uma galinha amarga, de pescoço pelado.
brava.
não se sabe se seu ninho foi bem escondido ou se foi preservado, mas ela conseguiu pintinhos. muitos. oito ou nove.
pintinhos supervalorizados, como todos, talvez porque as galinhas saibam a vitória de manter seus ovos.

e foi o mini-menino, brincar lá fora. 
bem
onde
estava a família.
eu vi da janela, galinha brava!

corri, ela arrepiou as penas pra cima dele, eu corri, bati o pé pra ela, assustou, fugiu, pintinhos espalhados, mini-menino pulando, ela se arrepiou pra mim: vem pra cima dos pintinhos pra você ver! e lá foi na direção dele, que ria. corri, peguei no colo. ele ria. os pintinhos foram passando, a galinha se arrepiando pra mim, eu batendo o pé pra ela - o meu estava protegido, mas enquanto todos os dela ainda não estavam, lá vinha ela de penas para o alto. brava. amarga.




segunda-feira, 29 de junho de 2015

Alice, é você?

pois acabo de descobrir mais uma alegria na minha vida. 
pintando uma parede, a pequena me diz: tô achando muito bonito, porque tá me lembrando Alice.

gosto que minhas coisas sejam alice.


segunda-feira, 22 de junho de 2015

Tem hora que a gente cria sonhos irrealizáveis... e logo depois pensa: está tudo certo.

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um sonho irrealizável não parece coisa boa, mas, ué, por que temos que fazer real todos os sonhos?
o sonho era entrar na caverna de Chauvet, ver suas pinturas, seus brilhos, sentir seu cheiro, respirar aquele mesmo ar que foi respirado há milhares de anos e me conectar com o pintor de dedinho torto, aquele, que dizem ser (senão o) um dos primeiros artistas do mundo, que nos mostrou que a diferença da nossa espécie pra os neandertais, que chegaram um pouco antes de nós sapiens, é esta: a capacidade de ver, de observar, de tornar aquilo simbólico e, então, representar. 
ô quem dera entrar lá e sentir os animais que correm com oito patas. 
mas não vou, eu sei.

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enquanto isso, no meu mundo real, eu ganho de dia das mães presentes lindos, tão lindos como uma panqueca de laranja com doce de leite e um passeio pelas pinturas rupestres daqui. de quanto tempo atrás? não sei. mas que me levou a imaginar a dura vida de quem fez aquele desenho, ah, me fez! e vos digo: foi uma criança. que viu a siriema correndo pelo Lajeado, tornou aquilo simbólico e representou, com seus dedos sujos da tinta feita de sangue.

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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Palavras

hoje estava frio, não tão frio, que até o pequenininho falou: uiu. sim, ele, que não fala, falou. frio. e chorou, e pediu colo e me deixou o enrolar  na toalha e quis vestir a blusa. 
uiu. 
frio.
e, sim, eu me emociono a cada palavrinha mal falada não só pelo atraso enorme e pelo desafio de agir para que isso aconteça, ainda que sem saber como, mas porque quando se pisa no solo sagrado da responsabilidade pelo outro, real, sentida, profunda, não há como não se emocionar com um passinho pequeno que seja. é preciso descalçar e pisar nesta terra para entender e para compreender o outro de um jeito que se fica até sem saber como agir. porque a compreensão também pode dificultar o crescer. 
mas se para pra escutar. se para tudo para prestar atenção. e então se ouve: uiu. e se acolhe e se esquenta. e se veste e se coloca na cama e ele dorme com o braço na boca e, depois, fala dormindo: é meu. porque se fala, meu filho, nesse mundo, são as palavras que emocionam.


quarta-feira, 13 de maio de 2015

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Biso Adolfo, vó Danira

dessas coisas com explicação difícil de alcançar, hoje foi o dia em que, finalmente, consegui terminar a "restauração" dessa luminária. 

quanto orgulho cabe numa peça? 

de manhã, terminei a instalação elétrica, de tarde, comprei os parafusos que faltavam e, de noite, coloquei no seu devido lugar: ao lado dos lança-perfumes que minha vó tanto gostava e que meu bisavô insistia em pegar os potes usados, cortar e soldar para dar novos usos. hoje estes potes estão no banheiro da minha casa, um com um maço de sempre-vivas e outro com uma flor de plástico vermelha junto de um macinho de sementes de grama unidos por um lacinho de palha, que minha pequena me deu a um tempo atrás. logo acima, coloquei a luminária. 

gosto de banho com luz indireta. tomei banho feliz, hoje. 

pouco depois de pronta a co-produção minha com meu bisavô, recebo a triste (mas boa) notícia da partida da minha vó. foi hoje o dia de unir de gerações. 

por quanto tempo eu vou chorar a cada vez que vir isto?



Conflito noturno

deitada com o mini menino, o grandinho arrumando sua cama e a pequena já quase dormindo, cada um em seu quarto. 
aí eu digo:
_ boa noite, meus amores, durmam bem.

foi a pequena que me respondeu:
_ boa noite, mamãe, sonha com deus, com os anjos e com unicórnios.
_ você também, minha amora, e com as fadas, pra elas realizarem todos os seus desejos oníricos - eu disse mantendo o brilho do encanto.

foi aí que veio a voz do terceiro quarto:
_ e com os deuses da morte.


cataploft (ouviu-se o som de todos os brilhos caindo no chão)

_ rapaz, assim você acaba com o encanto - falei.
e ele me respondeu: é que toda história tem seu conflito. 


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Quando eu vou ver, estão todos em volta de mim

eu saio, vou lá fora, vou pra um quarto, pro outro quarto
o olho embaça, eu divago, eu me saio
e eles vêm e eles vêm e eles vêm.
olhamos nada, ficamos juntos, sou escalada e o infinito
é um tempo
que existe.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Historinhas pescadas nas falas de crianças 10

eu acho engraçado. quando vejo alguém querendo ser presidente, eu entendo o que eles falam (!) e sei direitinho o que eles querem fazer (!!), mas depois que um deles vira presidente, eu não vejo fazerem nada! (!!!)


da pequena, 7 anos.