sábado, 17 de maio de 2014

As sensações e a força brutal

dia das mães e fomos nós, só nós duas, na casa da Cuca. como que há tempos eu queria passear com ela, só com ela, fomos neste dia, quando sinto que especial é ter filhos. a Cuca, aquela mesma, prima do Saci, mora aqui pertinho. logo ali embaixo, sob uma lapa de pedra grande. tem uma árvore caída na porta da casa dela - camuflagem - e ela fez um fogão de barro lá dentro. há tempos eu queria levar a pequena lá. provocar sensações. relembrar estes seres fantásticos que povoam nossa casa, nossa cidade e nossa vida. há tempos que eles estavam dormindo em nossas memórias.

fomos. descemos, pulamos a cerca, andamos pelo pasto, descemos, vimos a mais linda copaíba, vimos a pedra e eu vi a árvore caída. a porta. demos as mãos. pulamos os galhos das árvores e entramos. lá estava: o fogão, já velho, um pouco destruído, um cupinzeiro queimado no meio da casa, uma pá encostada em um canto de pedra que lá está como uma prateleira. silêncio nosso; som, só da natureza. eu o quebro com um sussurro: ela deve ter estado por aqui, ou o primo dela, o Saci - tem marcas de fogo e tem essa ferramenta. ela: tô com medo. vamos embora? saímos pela outra porta. rapidinho. fomos.

o medo, quando controlado, provocado assim, de propósito, liberta toda a imaginação presa em nossas rotinas. o cupinzeiro, para a pequena, foi um caldeirão em um novo fogão. ela viu um caldeirão.

andamos sobre pedras, pulamos outra cerca, fomos pelo pasto e chegamos em uma água que corre lá por perto, vinda de uma nascente próxima do brejo, ali perto. gosto muito daquele cantinho. ela não se lembrava de lá. andamos um pouco mais e chegamos onde as pedras se abrem em uma fenda feita por anos e anos e milhares anos da água escorrendo por ali, a fendinha. é antigo, esse lugar. as pedras denunciam a idade como se rugas da natureza. sentamos. se é que a Cuca toma banho, é ali que ela toma, só pode, é tipo uma banheira!, riu a pequena. silêncio nosso, barulho, só da água. e eis que eu fico sabendo que quando a pequena coloca uma concha na orelha, pra reviver o mar, ela escuta até as gaivotas. que bonito, isso! 

penso que é nas sensações que vivem as imaginações.

olho pra essa pequena e vejo tanta tanta tanta delicadeza em seu rosto que me pergunto: como vou ensiná-la a força necessária? há força na delicadeza? penso, com uma esperança medrosa que me enche toda, que vou aprender isso com o tempo. vou colocar muito reparo nisso, na força que a delicadeza - por si só, só por ser o que é - consegue exercer no mundo. me parece brutal.

Um comentário:

  1. Aconchegante ler suas histórias, Iti!!! Obrigada. bjs
    (tia Ana)

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