sábado, 31 de agosto de 2013

Tempo tempo tempo tempo

a pequena: _você faz isso, um dia?
eu: _ai, não sei, pequena.
_ um dia, eu disse um dia - enfatizou com seu pequeno dedo em riste.
_ um dia a areia branca, seus pés ir... - senti as mãozinhas cobrindo minha boca:
_ para, eu não gosto dessa música - sorrindo. mas como é mesmo a história dessa música?

contei: ditadura militar, tortura, exílio... ame-o ou deixe-o em outras palavras, mais suaves, claro, mas (como não?) duras, verdadeiras. 

com lágrimas nos olhos, a pequena: _e como é que ficou assim, como é hoje, diferente do que era nesse dia?

com luta, meu bem, muita luta de quem queria diferente. contei da minha fundamental participação no Dia do Barulho, vulgo Diretas Já: enquanto mãe, pai e avó eram três cabecinhas em meio a milhões e milhões na praça da Sé, eu estendia meus braços de cinco anos por fora da janela do apartamento, cada qual com uma tampa de panela e as batia com força, determinação e empolgação - sem minha participação, nada teria acontecido, garanto. ainda hoje tenho uma tampa amassada nesse dia (acho que vou enquadrar!).

passados alguns minutos, já com os olhos secos, perguntou-me: 
_ como era a vovó quando você era criança? eu nem consigo imaginar uma velha, nova! Só sei que ela não podia ser igual ela é hoje, não podia! Ela não tinha tanto risquinho aqui, né? - perguntou passando os pequenos dedos ao lado dos olhos - é engraçado, quando fica velha a pele fica levantadinha!

pensei cá comigo... tempo de criança é diferente do nosso.


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Dura dúvida

dia desses, estava lendo e recebi uma bola iluminada jogada sobre minha barriga. levantei o rosto e vi um sorriso maroto que, tendo seu objetivo alcançado, aproveitou para piscar os dois olhos demoradamente e me conquistar de vez.

joguei a bola de volta-recebi de novo-joguei-recebi-joguei-recebi, assim durou a brincadeira.

só porque ganhei aquela piscadela sedutora é que estava a olhar sempre aos olhos - eu teria focado a bola. 
só por isso. 
eu queria outra piscadela... 

dura constatação: aqueles pequenos olhos só olhavam aos meus olhos. pouco importava a bola no chão. o legal eram os olhos risonhos. desde então percebi: mamando, brincando, chorando, sorrindo, pulando, no banho, na vida, toda hora. 
os olhos. estão. nos olhos.

então...    desviar o olhar...    é coisa que aprendemos?!

quando aprendemos a deixar de olhar nos olhos???



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

De filhos e amoras

porta aberta. 
de repente uma pequena mãozinha pega o meu dedo e me puxa. vou, pra ver aonde. para fora de casa: para fora da varanda: vamos para o pé de uma árvore.

ahn? me diz a voz de neném grande que aponta para as folhas. amoras! pego uma madura e sua pequena boca começa a ficar manchada de rosa-roxo. e as mãos. _ahn? ahn?, quando a frutinha rapidinho já passou das mãos pra boca e pra barriga. são muitas!

e no emaranhado dos galhos, as amoras amadurecem enquanto estamos lá, vemos cada vez mais e mais! e mais! amoras parecem milagre, disse uma amiga certa vez, enchendo um copo delas para levar pra uma criança de outra casa. e são. justo quando as mães já cansaram e querem entrar em casa de novo - o que demora, pela beleza das mãos e boca sujas, das mãozinhas segurando um galho e respeitando as amorinhas verdes, do movimento da boca mastigando aquele pedacinho de milagre -, as amoras param de amadurecer.

amoreira também é mãe.
filhos também são milagres.